Culpa não é política pública — por Joyce Trindade

O cuidado em saúde começa pela escuta, passa pela informação e se transforma em política pública.

Foi com esse princípio que, junto a outros parlamentares da Câmara Municipal do Rio e em diálogo com o Executivo, protocolei um projeto de lei para atualizar a Lei nº 8.936/2025. A proposta que tem como coautores a decana da Câmara, vereadora Rosa Fernandes, e o líder do PSD, vereador Márcio Ribeiro garante que todo material informativo sobre saúde sexual e reprodutiva nas unidades de saúde do município seja validado tecnicamente, baseado em evidências científicas e alinhado às diretrizes do SUS, da OMS e da legislação brasileira.

Trata-se de um aprimoramento necessário, que reafirma a importância de proteger a dignidade de quem chega a esses espaços – muitas vezes em situação de vulnerabilidade.

Sou gestora pública e acredito profundamente na força transformadora das políticas bem feitas. Foi através do serviço público que encontrei caminhos e oportunidades. E é nele que sigo atuando para ampliar direitos. A confiança da população no SUS é um bem coletivo que precisamos preservar com seriedade.

Essa proposta busca garantir que a comunicação nas unidades de saúde seja clara, validada, acessível e acolhedora. Um cartaz com informação segura pode salvar vidas. Uma frase mal colocada pode aprofundar a dor.

Estudos mostram que entre 10% e 15% das gestações clínicas são interrompidas espontaneamente – número que pode ser ainda maior se incluídas perdas muito precoces. Ou seja, milhares de mulheres que planejaram e desejaram a gestação acabam enfrentando o abortamento espontâneo e buscam acolhimento no SUS.

São essas mulheres que, segundo a legislação vigente, podem ser recebidas por cartazes com frases moralistas, julgadoras, culpabilizantes. Isso não é cuidado. É um erro que precisa ser corrigido. É institucionalizar a tortura emocional num momento de dor profunda, em um espaço que deveria oferecer escuta e orientação.

No Rio, mais de 13 mil crianças são registradas anualmente apenas com o nome da mãe. A sobrecarga do cuidado continua recaindo sobre as mulheres, enquanto boa parte do debate insiste em responsabilizá-las por decisões, perdas ou realidades que fogem ao seu controle.

E quando falamos de meninas e adolescentes, a urgência se intensifica. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 60% dos partos de meninas entre 10 e 14 anos decorrem de estupro. Não podemos permitir que essas vítimas encontrem nos postos de saúde mensagens que as culpem ou silenciem ainda mais.

A saúde pública deve informar com ciência, não com culpa. O espaço público é para todas as pessoas. Religiosidade caluniosa é oportunismo — e não pode prevalecer sobre a dignidade humana.

Essa proposta é uma escolha pelo cuidado. É uma correção necessária para que a política pública siga sendo o que ela deve ser: instrumento de escuta, acolhimento e respeito às mulheres em todas as suas jornadas.

Esse é o SUS que acredito. Essa é a política que pratico.

O prefeito Eduardo Paes foi pioneiro, entre as capitais brasileiras, ao criar uma Secretaria dedicada às políticas para mulheres em 2013 – que desde 2009 era uma Coordenadoria. Nos últimos cinco anos, tive a honra de conduzir essa política, que já atendeu mais de 1 milhão de mulheres com ações de enfrentamento à violência, promoção da autonomia e acesso a direitos.

Com programas como o Gerando o Futuro, que oferece apoio integral a gestantes em situação de vulnerabilidade com informação e acolhimento, incluindo mulheres após abortamento espontâneo ou nas situações de aborto legal previstas em lei, seguimos avançando.

Apresentamos essa proposta para corrigir distorções no processo legislativo e fortalecer meu compromisso com uma política pública de excelência, que respeita e cuida de todas as mulheres.

Joyce Trindade
Vereadora do Rio e Secretária Municipal de Mulheres e Cuidados

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SOU FRUTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS!

Nasci e cresci na Zona Oeste do Rio, estudei na FAETEC de Santa Cruz e fui a primeira da minha família a entrar numa universidade pública — a UFRJ. Minha trajetória prova que, quando o Estado abre portas, vidas inteiras e gerações podem mudar.

Me formei em Gestão Pública porque acredito que política transforma vidas. Tenho 10 anos de experiência no serviço público, atuando na construção de políticas para quem mais precisa.

Aos 24 anos, me tornei a Secretária de Políticas para Mulheres mais jovem do Brasil. Impactei a vida de mais de 1 milhão de mulheres e suas famílias e, em 2024, fui eleita vereadora com mais de 30 mil votos, reassumindo a maior Secretaria de Políticas para Mulheres do país.

Minha história mostra que quando uma mulher negra, periférica e jovem ocupa espaços de poder, ela não chega sozinha — abre caminho para muitas outras. E sigo abrindo essas portas. Vamos juntas?